segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Das lembranças



Gosto do tempo em que sentamos naquele muro baixinho e deixamos o relógio cheio de ponteiros ser mais amigo do que inimigo. Dividimos as frutas roubadas, completamos músicas que começamos a cantar sem mal intencionar as letras e contamos quantos carros vermelhos passam pela rua. Você quer contar os azuis, mas insisto nos vermelho. Você me olha, baixa a cabeça e murmura: “na tua cor é mais bonito”. Como duas crianças sem precisar de um vídeo-game, como dois adolescente sem precisar de festas ou como dois adultos sem precisar da liberdade… Nós e o nosso muro, as nossas árvores, as nuvens que nos dão licença para ver o sol, os carros que nos dão o prazer da distração: a brincadeira pouca de fingir que o amor é inocência, embora “amor” não se falasse em voz alta Fosse o que fosse, naquela rua daquele bairro, naqueles dias que não sabiam se choviam ou aqueciam, naquelas dúvidas bobas que a gente pensa que são da vida: também é amor fingir que não se é. No parque os balanços voam sozinhos e nas estradas os carros ultrapassam os limites. E a nossa vida desse muro ainda infla os pulmões da rara calma de tocar muito sem querer as mãos enquanto apontamos o céu, a esquina, o passante, o palhaço ou balão. A criança ou o pai. O amante ou o irmão. Apontamos os dedos aos demais para não nos apontarmos, mas somos crianças, temos sonhos em cada ponta do dedo que mira as estrelas durante à noite, você aí e eu aqui, sem muro, somente paredes. E se o meu céu estrelado, de repente se rompe por uma estrela cadente, qual o pedido que eu faço?
(Baixinho, pedirei. Tampe os ouvidos. Não ouça)
– Ô moço que manda no mundo, constrói mais muros para nós dois. E árvores… E carros vermelhos.
Vai, destampe os ouvidos. Eu só pedi a nossa eternidade na calma do furacão.

Um comentário:

Lucas A. disse...

Muito lindo Mila, lindo mesmo. Bom saber que ainda lembras.