terça-feira, 30 de abril de 2013

Das pressões



“Esse menina vai brilhar na faculdade”. Escutava isso semanalmente, a cada dez alcançado, a cada pequena conquista, a cada dia. Estava cansada. O fardo era pesado, a expectativa alta e a vontade de sustentá-la diminuía a cada pensamento sincero que precisava deixar de canto para suprir o mar de vontade dos outros.
Dessa vez, não havia estudado. Há tempos não prestava atenção na aula. Nunca havia sentido essa sensação de não saber nada, de não desconfiar do conteúdo que seria cobrado. Como não sabia nada de nada, não precisava calcular quanto tempo tem para cada questão. Isso era libertador.
Nem tentou. O fracasso irremediável era doce. Ficou uns 10 minutos degustando a delícia de não ter expectativas. Dessa vez, não ficaria ansiosa pela nota. Não cobraria o professor. Nem ao menos participaria do insuportável grupo que discute as questões da prova no maldito recreio. Assinou seu nome na lista de presença e foi para casa.
— Como foi a prova, filha?
— Uma delícia, mãe, um tesão.
Largou a mãe na sala, com semblante de interrogação.
“!?”
Era a primeira vez que ignorava uma regra, que contrariava o mundo e cagava em cima de uma regra. Sorriu com o canto da boca. Subiu as escadas de alma lavada.


quarta-feira, 17 de abril de 2013

Das cartas

Ramona,

Não há nada de novo por aqui. te escrevo só pra lembrar que não há nada de novo por aqui. Ontem vi um homem ser preso por roubar leite em pó, e ainda não acredito realmente nisso. Homofóbicos ainda respiram e se sentem no direito de odiar deliberadamente. de-li-be-ra-da-men-te, pausadamente, pra expressar a paciência que tem me deixado longe da cadeia por não ter matado um deles.Você deve estar rindo agora, sempre diz que não sou capaz de matar uma formiga. Você sabe que é difícil pra mim, você sabe. Mas o mundo continua injusto pra caramba e minha existência, ou a sua, não mudou nada disso, e não sei se vai mudar. Você me diz pra não deixar o ceticismo me engolir, mas é difícil acreditar… vou acabar repetindo esse discurso covarde de que as coisas tem que ser assim, e não quero, você sabe que não.
Acho que sinto sua falta, acho que a cidade ficou mais cinza que o normal sem seu cabelo vermelho voando por aí, acho que você devia voltar. Talvez eu até precise de você e de sua esperança inabalável, talvez.

P.S: sinto muita falta das crianças e seus sorrisos e carinhos sem fim